domingo, 29 de agosto de 2010

Dançando com Sombras


O meu olhar despertou incerto, e o destino mais ainda. Não sabia onde estava. Havia pouca luz naquele ambiente mórbido. Olhei para cima e enxerguei um circulo luminoso, entrecortado por grades. Levantei-me a muito custo, e tentei lembrar a causa e a circunstância daquele cárcere; sem sucesso. As paredes eram de um cinza desbotado, o chão era nu e a porta enferrujada. Andei até a porta e tentei forçá-la; foi inútil, retornei para o facho iluminado. Escutei vozes.

- Esse prisioneiro é novo, dê as boas-vindas – (gargalhadas).

A porta foi aberta. Um homem encapuzado, vestindo preto, pôs-se a me observar. Outros dois - trajados como o primeiro - entraram e arrastaram-me para fora da minha cela. Largaram-me, de bruços, no chão.

- Levante-se! – ordenou um deles.

Quando apoiei meu antebraço no piso, um chute me derrubou. Eles riam como porcos. Recebi outros chutes.

- Por quê? – falei com a voz sufocada.

Não responderam, só riram mais. Colocaram-me de pé.

- Em frente, babaca!

Andei cambaleante pelo corredor; uma lâmpada quase apagada tentava iluminar o caminho. Segui até um portão vigiado por mais daquelas figuras sombrias e, enfim, saí daquela “caverna”. O sol, escondido pelas nuvens, não mandava mais seus raios.

Olhei ao meu redor: solo de terra batida, enormes muros, duas filas de prisioneiros separadas por uma grade e as “sombras” – como batizei os carcereiros – coordenando o movimento daqueles seres enfileirados. Depois percebi, uma fila era feminina e a outra masculina.

Os prisioneiros, descalços e carecas, trajavam uma túnica bege, suja pela terra e pelo sangue. Observei minhas roupas e tateei minha cabeça; estava do mesmo jeito que os outros.Pensei: “Estou num pesadelo”. Mas descartei. “Não, a dor é real demais”, repensei. Fui levado até a minha fila. Algo sublime e maldito estava prestes a acontecer.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A Última Esquina - Parte III (final)


João ficou de pé e contemplou o homem desmaiado. Subitamente, uma tontura tomou conta do seu corpo, a visão converteu-se em um manto nebuloso e a vida começou a esvair. Confuso, tocou a mão no peito, sentiu um líquido quente e viscoso vertendo; sim,sangue. Olhou para o alto, como se perguntasse alguma coisa, que não tinha força para falar. Andou três passos para trás, as pernas cambaleavam. Escorou-se na parede e deslizou lentamente. Nesse ínterim, a mulher saiu de uma lojinha acompanhada de um senhor. Correram desesperados para perto de João.

- Já chamamos socorro, agüenta aí cara - o senhor clamou.

- Olha moço, não sei como agradecer, mas fica vivo, por favor - a mulher disse com um nó na garganta e olhos marejados.

- E o garoto? - João perguntou em voz quase incompreensível.

- Está bem, minha esposa está cuidando dele - interveio o senhor.

Depois disso, os rostos tornaram-se formas confusas e sem sentido. A morte chegava. O tal João Guilherme queria permanecer, mas já tinha feito sua escolha; derramou uma lágrima ao pensar na família e nos amigos que deixava. O peito comprimiu-se e lançou o último sussurro. Os olhos abertos agora pairavam na imensidão.
A imprensa noticiou o fato, e por uma semana foi o grande assunto, depois caiu no esquecimento. Mas a mãe e o garoto nunca esqueceram.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Qualquer coisa, menos um poema.

Bom aí vai o meu não-poema. Qualquer coisa, menos um poema.Aproveitem; ou não.


Despedida
Não houve lamentações,
palavras suspiradas,
pensamentos confusos
ou olhares descontentes.

Não houve sensações:
que tremessem corações,
dispersassem emoções
ou remoessem correntes.

(Pausa Longa)

Quisera eu... ser isso verdade.


A Última Esquina - Parte II

A arma estava engatilhada. A mãe desesperada ainda tentou entregar a carteira vazia, as passagens e a bolsa - que não continha nada de valor. O agressor recusou e preparou-se para o disparo; abaixou a arma e foi levantando até a posição de tiro.

Aquela pergunta perturbou João. Lembrou de quando era a criança que passeava com a mãe; e se fossem eles ali? Seu corpo estremeceu e a mente consentiu. Estava a poucos passos do assaltante, quando decidiu saltar sobre ele. No fundo sabia que aquilo poderia acabar mal. Um segundo antes do ato:pensou nos momentos que não viveria, nas pessoas amadas, no medo profundo,na mãe,no filho, no mundo... Respirou e atacou antes que a posição maldita se consagrasse.

O assaltante ainda tentou reagir ao ver o vulto que saia da esquina; tarde demais. João Guilherme, às 18h23min, estava sobre o assaltante a lutar pela vida.

- Saiam daqui e procurem ajuda! - João bradou.

João lutava com toda a força e determinação - sabe como é: questão de vida ou morte. A situação estava tensa, o cano da arma ora estava no peito,ora não estava. Um disparo ecoou. Em seguida, João agarrou a cabeça do homem, fitou-o, e pensou na triste vida daquele infeliz - família desestruturada,preconceito,falta de oportunidade? -por fim jogou-a contra a calçada. O homem desmaiou; ainda tinha pulso.

(Continua...)

domingo, 22 de agosto de 2010

A Última Esquina


João Guilherme, 25 anos, ama sua família e seus amigos. Tinha um bom emprego, que pagava suas contas e tudo mais. Era um idealista - eu disse “era” -, mas perdeu aquela visão romântica com o tempo. Conformou-se. Viveria sua vida da melhor maneira possível, e pronto.

Numa sexta-feira, fim de tarde, tudo mudaria bruscamente.Ele voltava do trabalho a pé, porque desistiu de encarar os engarrafamentos. O dia estava sonolento; as pessoas vinham e iam. Seriam mais 5min para chegar em casa. Começou a pensar: “O que farei sábado e domingo?”. Pensou na visita que faria a seus queridos pais e aos velhos amigos; talvez fosse a alguma festa.

Foi quando virava a última esquina, o inesperado aconteceu. Antes que terminasse o movimento, recuou. Um homem apontava uma arma para mãe e filho.

- Quero o dinheiro agora! - o assaltante berrava transtornado.

- Desculpe senhor, mas só temos duas passagens, leve elas se quiser... - a mulher disse amedrontada.

- Eu quero o dinheiro! - o homem insistia, aparentemente,sob efeito de alguma droga.

A mãe implorava pela vida do filho. O assaltante - antes vítima da desigualdade e injustiça social - tornava-se um carrasco em potencial. Ele não tinha nada a perder. João assistia a tudo; a questão é:agiria ou ficaria de “braços cruzados”?

- Mamãe a gente vai morrer? - o garotinho perguntava.

(continua...)

* foto,novamente, de algum lugar remoto da web

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Parte final - III


Deitou a cabeça no travesseiro. Adormeceu. Não teve tempo para sonhar, já estava acordado. Fez o que tinha que ser feito e saiu de casa. Caminhava pelas ruas frias, com as mãos enfiadas no bolso e o fel estampado na cara. – É assim que as coisas são: amargas e fúteis – murmurava o sujeitinho. Um vento norte rosnou implacável, as árvores balançaram e as mentiras também. Tom Shed não se protegeu, recebeu o impacto de peito aberto.

Estava numa praça bem conhecida. Shed contemplou: os bancos, as árvores retorcidas, a igrejinha, o chão frio, os animais sem dono e as várias pessoas da paisagem; infelizmente, tudo de vidro. Sentiu-se só, mas ignorou. Acostumara-se.

Tom Shed enxergava por de trás das máscaras; inclusive a sua. Ficou enojado no início, depois, acostumou-se. As férias chegaram ao fim. Voltou para a rotina. O dramático sujeitinho caminhava rumo ao futuro; construiria pontes, e muros também.

* foto de algum lugar remoto da web.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Uma Noite para Sombra - II

Levantou da cama, andou vacilante até a parede, tateou no escuro, encontrou o interruptor, e enfim, acendeu a luz. Permaneceu um instante parado. Estava ofegante. Aquela noite raivosa lançava as trevas ao dilema. Respirou fundo e caminhou para a cozinha. Bebeu um copo d água. Foi ao banheiro. Encarando-se no espelho: enxergou cada angústia, cada fantasma, cada canalhice, e sorriu. Molhou o rosto e observou a água escorrendo; seu rosto parecia derreter. Um espectro saiu daquele espelho.

- Quem é você? – perguntou Tom Shed, estupefato.

- Eu sou você.

- Isso não é verdade.

A sombra, então, sorriu venenosa. O sujeitinho quis que fosse mentira; não era.

- Agora você me conhece – disse o vulto, antes de retornar.

sábado, 14 de agosto de 2010

O Sujeitinho - I



Enxergava, com escárnio e desprezo, todas as manifestações cotidianas da sua sociedade. Uma figura dramática, o tal Tom Shed. Um sujeitinho, a julgar, bastante comum, a não ser pelos seus olhos; “espelhos de uma noite triste”. Certo dia – e sempre há um dia certo - ele vagava pelas ruas, de qualquer lugar familiar, e deparou-se com seu veneno; Natália Friggs, a bela flor do desespero.

Era fim de tarde, os últimos raios de sol se despediam e o vento os saudava. O garoto não tinha talento com as palavras que levavam a beijos, mesmo assim, sorriu e tentou fazer um comentário simpático. Arrancou uma risadinha e um olhar carinhoso, e nada mais.

Não era novidade para os seus amigos, Tom estava agarrado naquela paixão insana. Nos tempos de escola, tomou, dela, um fora categórico e ficou sem prestígio na praça – deve fazer algum sentido -, contudo, continuou alimentando aquela insanidade. Os dias passariam e, fatalmente, ela encontraria “o príncipe do cavalo branco”; não importava. Bastava a pureza da sua esperança.

Ninguém o compreendia. Aproveite a vida (forma indireta de “encontre outra garota”) diziam os pais e os amigos, e ele se esquivava tentando explicar o inexplicável. Estava vivo naquela sensação. Às vezes, o termo paixão não conseguia explicar o sentimento que nutria; era algo peculiar, único. Apesar da esperança, tinha um medo profundo, formulado sob uma pergunta; e... se acabasse?

Dois dias depois.

- Nossa... Eu nunca mais pensei em você – ela disse vitoriosa, e o mundo desabou.

Foi cômico e triste. Mergulhou nas trevas; mas não permaneceu no fundo. Acordou. O sujeitinho, assim, continuava a vagar. Ainda era o sujeitinho dramático e risonho de sempre, no entanto, passava a sentir um sabor amargo, intragável. A desilusão.

O maldito acontecimento não passava de um estopim. É difícil fazer parte de uma humanidade decadente, insegura e individualista. Ainda mais sem uma paixão. Mas por trás daquele ar descontente, a esperança ainda respirava. Tom Shed era sombra querendo ser luz.

Prévia

Vou postar uma historinha em sequência. Três capítulos descafeinados.

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