quinta-feira, 29 de setembro de 2011

All-In

A verdade é que nunca aprendi a jogar poker. Verdade que não impediu o carteado daquela noite A sala abafada das paredes de concreto, do teto baixo, da luz fraca, do chão nu - o palco da minha ruína. Não se escolhe o lugar do jogo, as coisas simplesmente correm do nosso alcance, como a vodka que foge da garrafa de vidro para os confins da garganta do sujeito a minha esquerda.

Viram as cartas na mesa. Eu não tenho nem mesmo um par. O bebedor de vodka, homem barbudo, bonachão, gesticulador, solta um grito estridente de vitória e entrega-se a uma risada típica dos gorduchos de pele rosada. Mas ele não é o melhor jogador. A tímida dama, sentada a sua esquerda, tem o faro para o jogo. Não se engane! Os olhos inocentemente arredondados e os lábios tremulando um cândido rosado são blefes puros; mas o careca, que completa a mesa, nem desconfia [otário].

O suor escorre pela barba, percorre a face lentamente e ele sorri um riso forçado, espremido. Aos poucos, a mesa dá sinais de cansaço e gorducho de olhos chorosos não enxerga mais nenhuma ficha ao seu lado. Atrapalhado, abandona a salinha com movimentos vagarosos e desorientados.

“Aposto todas as fichas, posso?”. Ela apostou tudo com um jogo desses? Que garotinha ingênua. Sortuda de primeira viagem. Claro que pode sua bobinha! Agora eu pego de volta todas as fichas. O careca passa a mão pela cabeça molhada e suspira: “Não precisar se culpar, o carteado é coisa para homens”. Com a mão direita, coloca todas as suas fichas (que somavam um pouco menos do total das fichas dela). Eu saio, como quase sempre. Faltava uma carta. A carta é virada. O careca fica paralisado. O jogo prossegue sem ele.

Um bom momento para acreditar em esperança. Pedi uma taça de vinho, ela pediu uma xícara de chá. Desestabilizou o meu emocional, entrou no meu psicológico. “Apostar ou não apostar?” As cartas giram até eu ficar sem fichas. Cretina. Sei, sou um péssimo perdedor. O fiscal do jogo, homem calvo e risonho, dá dois tapinhas nos meus ombros, algo do tipo: “Não era para ser velhinho.Quem sabe na próxima.”

- Umas moedas para o ônibus?

- Obrigado, senhorita.

Algum dia desses o joguinho me mata. Talvez, eu peça umas lições para a mocinha. De repente, já estava no ônibus, após um breve desentendimento com as escadas. São cinco paradas até minha casa. O novo dia se espreguiça e os primeiros raios de luz salpicam o meu rosto.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Cadeira Vazia

O julgamento estava prestes a começar, no entanto, uma cadeira permanecia desocupada. O júri e os demais presentes já esboçavam impaciência ao verem o grande relógio digital marcar 20h e 21min. O réu deveria estar acomodado há 21min no macio estofado azul, mas não estava.

No banheiro de uma lanchonete, próxima ao tribunal, um jovem de paletó cinza, camisa branca e gravata azul, frouxa. Olhava fixamente o seu reflexo num espelho 30x20. Sabia do seu compromisso, porém questionava-se: “Por que devo ir?”. Todos os dias ele ia para o tribunal, no mesmo horário e pelo mesmo pretexto - prestar contas. Tal hábito incomum pode parecer estranho aos que desconhecem a rotina de Samuel Samuelson. Ele não era um criminoso, nem algo do gênero. Era apenas um simples jovem de classe média.

Como se não bastasse o dia cansativo, também havia o julgamento de praxe. O juiz, geralmente, afirmava que se tratava de um aconselhamento e não de um julgamento de fato. “Mas eu não pedi conselhos”, queixava-se. Garoto arrogante e insensível esse Samuel Samuelson! “Santidade não é o título que quero abraçar, meritíssimo!”. “Mas não está certo, rapaz. Diga isso, faça isso.”.

Hoje, o diálogo não seria o de sempre. Samuel só queria o direito de permanecer calado. No lugar da presença, uma carta disposta na mesa por um pequeno mensageiro de canelas finas e rosto imberbe. O juiz recolhe o envelope, abre-o, retira a folha de caderno e lê em voz alta:

“Caríssimos e caríssimas,

O nervoso e despreparado, em questão, pede a concessão de um momento regido pela paz, sem preocupações, no qual conversemos como gente a fim de escutar uma voz amistosa na noite fria ou quente de qualquer lugar.

Atenciosamente,

Samuel Samuelson ”

Todos se entreolham com rostos confusos. Será que entendem Samuel? Não? Não.


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