quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Vilão Desempregado

Waldsneidson Jacques, 47 anos, era um vilão desempregado dos quadrinhos tentando a sorte no mundo real. Não estava fácil encontrar emprego; os setores da maldade,desastres,e criminalidade estavam abarrotados de gente qualificada,ou melhor,desqualificada. A idade não ajudava muito, as leis, que impedem a discriminação e garantem a igualdade de competição, eram desrespeitadas pela vilania; é, não só pela vilania.

Waldsneidson, ou Dr. W, sonhava com suas antigas façanhas. Sempre suspirava quando lembrava do “Raio da Fome“, dos assaltos à velhinhas ,dos roubos ao banco e tudo mais. Esses planos nunca davam certo, mas ele gostava mesmo assim do seu trabalho. Na vida real, a fome é problema assolador e os assaltos infinitos; Dr.W não tinha chance nesse novo mundo.

Certa vez, Dr.W estava sentado num banco de praça e reconheceu o seu arqui-inimimo, Dimi Dínamo .

- Ei! Dimi! - chamou-o.

- Dr.W? O que você faz na realidade?

- Precisava de um emprego, porque nossa revista de quadrinhos acabou, como você sabe...

- Entendo. Qual sua nova ocupação?Ou ainda continua no crime?

- Tô desempregado, as vagas de maldade e criminalidade são poucas; muita gente trabalhando nisso. Pensei em criar problemas como queimadas ou fome, mas já tem um monte também.

- Tenta outra coisa.

-É... Mas e você o que tá fazendo?

- Agora sou funcionário público. Tentei o emprego de super-heroi, mas as condições de trabalho tão horríveis; o sindicato da classe tem reclamado bastante. Ser heroi tá foda. Bons tempos em que eu sempre salvava todo mundo. Agora é difícil me salvar.

Os dois se despediram cordialmente, como velhos amigos. No dia seguinte, Waldsneidson procuraria ajudava especializada, um psicólogo talvez.

(continua...)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Dançando com Sombras - Parte IV (Final)

Os guardas surgiam e a faca dançava, recortando sombras e se embebedando de sangue. Cinco carcereiros ao chão. Eu estava num estado de frenesi: olhos saltados, respiração ofegante e batimentos acelerados. Observava a lâmina ensangüentada, quando a porta foi aberta. Uma luz ofuscante e duas silhuetas.Após minha visão acostumar-se, percebi; Viviane e um estranho. A estranha figura aplaudiu e apontou um revólver para mim.

- Basta, você já cumpriu com o seu propósito - o homem desconhecido disse em tom autoritário.

- Hã?

-Permita que eu explique. Você é como uma cobaia de laboratório, participa de um experimento e pronto.

- Que merda é essa?! Por que estou aqui?! - Samuel gritava agonizado.

- Uma experiência sobre os sentimentos primários do homem. Você foi escolhido aleatoriamente, não pense ser especial ou perseguido. Limpamos suas memórias e te trouxemos para cá; o nosso “laboratório”.Prepare-se para dormir. Um,dois...

- Espere! O que vai fazer com ela?

- Nada, ela trabalha para mim.

Samuel olhou chocado e não proferiu nenhuma palavra.

- Você achou que tudo foi destino? A cela vizinha e tudo mais? - indagou gargalhando.

- Isso é mentira! Como sabiam que eu olharia para ela na fila e conversaria por aquele maldito buraco?!

- Nem tudo é planejado. Como disse, você é uma experiência, ou seja, podia dar certo ou não; o experimento foi um sucesso - falava sem esboçar arrependimento e seus olhos até brilharam ao dizer “sucesso”.

Subitamente, lembrei das últimas semanas. Das estranhas coincidências. Uma mentira, uma armação.

- Você sentiu amor,ódio,dor e,enfim, vingou-se. Não existiram outros prisioneiros ou carcereiros, não passou de uma encenação pela ciência.

Samuel ajoelhou-se. Júlio, meu chefe, aproximou-se da triste figura ajoelhada. Gargalhando, apertou o gatilho.

- Adeus, minha cobaia - Júlio afirmou tomado pelo sarcasmo.

Pensei: “Por que lutar, se eu vivi uma mentira e nem sequer tenho um passado? Não sou capaz de lembrar da minha família, meu amor é uma farsa e tornei-me um animal; para que resistir?”. Atirou no meu ombro direito, a faca caiu. Repensei: “Morrer de joelhos, pelas mãos do meu carrasco;ele vai ficar perplexo com o último resultado da sua experiência”.

- A experiência está fora de controle - os lábios de Samuel esboçaram um sorriso.

Recuperou a faca usando a mão esquerda, fincou no pé de Júlio, que revidou disparando. Não era o fim. Samuel atacou mais três vezes, perfurando o peito do oponente e fazendo a verdade jorrar. Júlio estava morto. Em seguida, Samuel desabou e fitou-me eternamente; também havia morrido. Eu o matei. Larguei meu emprego. No fundo, morri também.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Dançando com Sombras - Parte III



As manhãs passaram. As noites ficaram. A luz do dia me trazia a agonia, a treva da noite a magia. Talvez, estivéssemos apaixonados e a felicidade fosse questão de tempo; mas não. Lembro dos risos, das juras e das promessas de liberdade; apenas lembro. Restou um oco no peito, um futuro de migalhas e uma raiva profunda.

Uma luz cortou minhas pálpebras; despertei. Escutei uma movimentação estranha, a porta da minha cela foi aberta e um coro de risadas tomou o éter. As “sombras” estavam diante de mim.

- Hoje, levaremos a sua namoradinha – o maldito, então, gargalhou.

Levantei e encarei aqueles seres “sem” face. Uma mulher e um homem escoltavam Viviane para fora da cela. Eu não hesitei, investi com fúria contra os carcereiros. Tolice. Fui imobilizado. Ela estava cada vez mais longe. Gritei até ficar sem forças e Viviane me fitou desdenhosamente; nunca me esquecerei daquele olhar marejado e julgador.

- O que foi que eu fiz?

- Você mentiu para mim. Você não nos salvou – ela sentenciou.

Foi a última coisa que vi, antes de ser desacordado. Uma brisa melancólica beijou meu rosto, acordei aos poucos, apoiei a palma da mão no chão e sentei. Coloquei a mão na cabeça; sangue. “Droga” - pensei. Meu réquiem havia começado.Sussurrei uma palavra na calada daquela noite sanguinolenta: “Vingança”. Culpei as “sombras” pela minha incapacidade. Estava me transformando, a “culpa” seria minha justificativa e a vingança meu prazer. Não sabia se era por ódio ou por amor.

Seria impossível reaver o que me foi roubado: o passado, o presente, o futuro. Mas não ficaria de joelhos a espera do próximo golpe.O amor e o ódio dançariam aquela tarde. Um dos guardas entrou para inspeção de rotina, eu estava cabisbaixo,sentado num canto e encolhido. Ele estranhou e aproximou-se. Levantei o olhar e percebi um objeto reluzente na cintura dele; uma faca.Um sabor amargo na boca e uma escolha feita de ferro surgiram. Decidido, tomei a faca e cravei-a no peito do seu antigo dono; senti uma satisfação sombria e gargalhei. Saí pelos corredores a fim de encontrá-la e erradicar as "sombras".

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Dançando com Sombras - Parte II

Segui aquela triste fila. Olhei para a esquerda, e então, nos fitamos;ela era o ser mais belo que já tinha visto, seu olhar e sua boca desenhados por mim,desenhados para mim. Em seguida nossos olhares se perderam; eu entrava num pavilhão, o pavilhão ‘S”.

Cada prisioneiro foi encaminhado para uma cela; um homem,uma mulher,um homem,uma mulher e assim sucessivamente. Ela passava pela minha frente, seríamos vizinhos - ou algo equivalente naquele contexto.

Meu “dormitório” era um cubículo repulsivo, úmido e imundo. Pensei: “Que espelunca!”. Os ratos estavam melhor acomodados - sem dúvida. Minha alma ficaria podre com o tempo, tal como aquele lugar. Um prato de “comida” foi lançado por uma abertura na porta. As luzes apagaram.

Engoli, vomitei. Tateei as paredes, até que encontrei um buraco na parte inferior. Abaixei a cabeça e sussurrei algumas palavras.

- Tem alguém aí?
Três minutos se passaram. Escutei alguém chorar, vinha da direção daquela abertura.

- Tem alguém ai?!

- Oi - respondeu uma voz chorosa.
- Foi você quem olhei lá fora?

- Sim.

- Qual o seu nome?

- Viviane.
- E o seu?
- Samuel.

Não direi: “Ah! Como foi agradável, estar preso e com a cabeça perto do meu vômito; mas houve um toque sublime”. Conversamos algumas horas sobre o desespero e as dúvidas; ela também não sabia o porquê daquilo. Nos despedimos.Adormeci.


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